Um dia, jovens estudantes de sociologia lusa irão estudar um fenómeno persistente com início no final do século XX, que se arrastou pelo século seguinte adentro, contaminando várias gerações de labregos portugueses. O fenómeno, de nome «tia», será objecto das mais variadas teses, e acabará sem uma explicação passível de tranquilizar as mentes mais metafísicas. Isto porque o fenómeno «tia», de origem e evolução perfeitamente circunscrita ao território nacional, nunca teve ele próprio nada de metafísico.
Os aplicados estudantes aprenderão que, após um período designado por «revolução dos cravos», período fértil em badalhoquice devassa disfarçada de fervor ideológico, surge uma classe de gente que se tornou o verdadeiro paradigma do equívoco nacional e cuja característica dominante era a madeixa de cabelo descorada a brotar de um coiro cabeludo que escondia uma caixa craniana anormalmente dimensionada para a quantidade de massa cinzenta que albergava.
Quando estudarem o seu papel na sociedade verão que na maioria dos casos se traduziam na escolha do papel de parede, porque apesar de não terem qualquer formação académica (ou outras) todas foram, nalguma altura da suas vidas, decoradoras de interiores.
Verão também que o estatuto de «tia» lhes era conferido, não por um desígnio superior, mas pelo simples facto de terem conseguido «acasalar bem», um conceito muito explorado entre (e por) elas, que consistia em caçar um papalvo com dinheiro e/ou com «nome». Subentenda-se «nome» como um conjunto infindável de apelidos, ligados por muitos «des», «das» e «dos», se possível com alguns hífens, e de origem gaélica.
Porém, a componente mais complicada do estudo da «tia» será a psicológica. Isto porque os jovens estudantes ficarão completamente atordoados com o facto de não encontrarem qualquer registo, para além da visão monolítica de Margarida (de) Rebelo (de) Pinto, sobre o que este grupo de seres pensava. Descobrirão, no entanto, que as «tias» dominavam com relativa facilidade o idioma português, sendo capazes de utilizar vocábulos com algum grau de complexidade. A palavra fucsia, por exemplo.
Mas será o tema da sexualidade que tornará o estudo da «tia» em algo mais interessante que a análise da reprodução do esturjão em época estival. Aprenderão então que, para a «tia», o acto sexual não era mais que um constatar do efeito que o último implante ou redução provocava no macho que o tinha pago. E que a consequência destes acasalamentos arbitrários provocavam outro paradoxo social: a «tia» como mãe. Mesmo como mãe a «tia» continuava a ser tia, o que permitia assegurar a continuação da espécie.
Por causa das «tias», um dia, muitos jovens estudantes de sociologia lusa irão perceber que mais valia terem dedicado o seu tempo ao estudo da influência do pepino verde nos hábitos alimentares mediterrânicos.
quarta-feira, agosto 02, 2006
A Razão das Tias
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