«Isso foi no tempo em que os animais falavam».
Quantas vezes já ouviram esta expressão? Pois é. Aparentemente há muito muito tempo atrás os animais tinham a capacidade de falar. Ninguém consegue dizer exactamente qual foi a altura em que eles perderam esta faculdade. Só se sabe que um dia houve um big bang linguístico qualquer e os gajos perderam o pio. O papagaio foi o único que se safou, mas ficou limitado a repetir tudo o que ouvia: uma versão com penas de José Sócrates sempre que se desloca ao estrangeiro.
A cobra com sotaque tripeiro, o papaformigas com sotaque beirão, o jumento que dominava cinco idiomas, e a vaca que recitava Yeats com um sotaque genuinamente irlandês, emudeceram de um dia para o outro. O curioso nesta história toda é que nunca se fala no Homem neste processo de perda da fala.
Parece que o crescimento da espécie humana está correlacionado com este silêncio animal. Até então o Homem nunca teve grandes hipóteses de sobrevivência num mundo de animais falantes. «Olha ali um grupo de cromagnons a quererem lixar o mamute à pedrada» dizia um tigre de Bengala para outro colega deficiente, «tu vai lá ali num instante chamar os nossos amigos rinocerontes». E o outro ia. E os cromagnons lixavam-se.
Quando os animais perderam a fala as coisas complicaram-se de sobremaneira. É que dizer «topa-me ali à direita uma task force de australopitecos» sem poder usar palavras, requeria um poder mímico que nenhum animal estava preparado para usar. Como é que um gajo diz «australopiteco» em mímica? E os animais lixaram-se.
segunda-feira, janeiro 23, 2006
A Razão dos Animais Falantes
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