O relato desportivo é daquelas coisas que me enervam de sobremaneira. Que raio de profissão é aquela, cujo desempenho consiste em explicar aos outros exactamente aquilo que eles estão a ver? Ver um relato de futebol na televisão é um suplício: se quero ouvir os sons do estádio (que até dão emoção às jogadas, tipo banda sonora dos filmes de terror), tenho inevitavelmente que levar com um ou dois mongos a explicarem-me que o jogador que tem a bola é o fulano de tal, e que a passou para o beltrano de tal, que por sua vez a rematou à baliza de cicrano de tal. Nada que eu não esteja a constatar ao mesmo tempo. E o que dizer de um relato de fórmula 1? Fulano vai à frente de beltrano, beltrano vai mudar de pneus, beltrano mudou de pneus, beltrano está a usar pneus de chuva – tudo informações inéditas que se eles não me dissessem (e se eu não estivesse a olhar para a televisão) nunca iria saber...
Algures na transição da rádio para a televisão, alguém se esqueceu que os relatadores, agora pomposamente chamados de comentadores, perderam a sua razão de ser. São redundantes. Obsoletos. Estupidificantes.
Ter um gajo a dizer-me através de um transistor o que se está a passar num jogo de futebol que eu não estou a ver é uma coisa que me faz algum sentido. O relatador radiofónico, em toda a sua histeria, faz sentido. Agora eu estar a ver um jogo na televisão e ter um gajo a explicar-me o que se está a passar é que não faz sentido nenhum. Porque raio é que existe o relatador televisivo? Será que eles duvidam que os telespectadores estejam a perceber o que se está a passar? Será que se não houvesse um relatador televisivo iríamos chegar ao fim do jogo profundamente baralhados sem saber o que tinha acontecido naqueles 90 minutos? Se o problema é dar emprego a essa gente, o melhor seria mandá-los relatar os acontecimentos da Quinta das Nulidades, naqueles momentos em que eles abocanham as partes baixas uns dos outros, no celeiro. Podia ser que dessem mais emoção ao programa. Ou não...
quinta-feira, abril 28, 2005
A Razão do Relato
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