- Que me importam a mim os vossos campos! Que me importam os vossos animais e os vossos filhos! – berrou o padre – Viveis, todos vós, uma vida material e sórdida. Ignorais o que seja o luxo!... Esse luxo, ofereço-vo-lo eu: ofereço-vos Deus... Mas Deus não gosta da chuva... Deus não gosta do sanfeno. Deus não quer saber do vosso chão, nem das vossas chãs aventuras. Deus, é uma almofada de brocado de oiro, é um diamante engastado no sol, é as sotainas de seda, é as peúgas bordadas, os colares e os anéis, o inútil, o maravilhoso, as custódias eléctricas... Não, não choverá!
- Queremos chuva – berrou o camponês, desta vez sustentado pela multidão, que desatou a trovejar como um céu tempestuoso.
- Voltem para as vossas quintas! – mugiu a múltipla voz do padre. – Voltem para as vossas quintas! Deus é a volúpia do supérfluo. E vós só pensais no necessário. Sois indivíduos perdidos, a Seus olhos.
E continuou – Não há-de chover! Deus não é um ser utilitário. Deus é um presente festivo, um dom gratuito, uma barra de platina, uma imagem artística, uma guloseima requintada. Deus está a mais. Deus não é a favor, nem contra. Deus é um extra! Deus é um luxo!
Boris Vian, in “O Arranca Corações”, 1953
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